O sincretismo foi apenas o modo pelo qual índios e
africanos, reduzidos à escravidão, buscaram entender, a partir de referências
de suas próprias culturas, uma fé que lhes foi imposta na violência da
colonização.
Daí ser Nossa Senhora – dos Navegantes, da Conceição, das Candeias
– identificada às Iabás dos cultos nagô, em especial Oxum e Iemanjá. São
identificações que variam, dependendo das circunstâncias locais e distintas
tradições que produziram a fusão dessas imagens.
Mas um mesmo imaginário de
longa duração histórica aproxima dessas divindades representações arcaicas da
Virgem, associada à água de lagos, rios, mar, ao brilho do sol ou ao clarão da
Lua Cheia, na figura da Senhora rodeada de luz ou coroada de estrelas.
Esta é a
imagem da Iemanjá saída das águas, longos cabelos negros, túnica que revela um
corpo sensual e, ainda assim, semelhante à Nossa Senhora das Graças, em suas
suaves feições de mulher branca, mãos espalmadas a derramar raios de luz,
bênção de estrelas. Um sincretismo que se acentua em outra versão das religiões
de matriz africana, a Umbanda, que já nasce da intenção de produzir fusões –
afro, católicas, kardecistas – em uma religiosidade propriamente brasileira.
Iemanjá-sereia é também a Mãe d’Água ou a Yara das lendas da Amazônia. Inaê,
como também é chamada, provavelmente reflete a imagem de uma cabocla do rio, e Janaína,
outro nome seu, dispensaria etimologias africanas, referindo-se a um imaginário
ibérico de Anjanas, da Cantábria, e Janas, portuguesas, pequenas fadas dos rios
ou dos bosques transformadas em Dona Janaína.
Tantas imagens… Uma só ou muitas Iemanjás? Em Cuba, onde a devoção a Iemayá é tão popular quanto no Brasil, Lydia Cabrera esclarece que, havendo um só orixá, há, porém, múltiplos caminhos que revelam seus aspectos. Seus nomes falam de sutis qualidades das águas ou dos lugares onde elas se encontram, onda que avulta na tempestade, água escura de loca em fundo de mar, espelho d’água sereno de lagoa da floresta ou delicada espuma que se desmancha na praia.
Sobre essas figuras se contarão mitos de um tempo em que os orixás transitavam entre Aiê e Orum, como ainda fazem quando os atabaques os chamam para dançar entre os mortais. E Iemanjá é divindade muito antiga nesse tempo da criação.
Conta-se que, nos primórdios do mundo, ela gerou dez filhos que receberam nomes simbólicos e se tornaram orixás: Oxumaré, o arco-íris, aquele que se desloca com a chuva e retém o fogo em seus punhos; Xangô, o trovão, aquele que se destaca com a chuva e revela seus segredos… Assim também se multiplicaram as feições de Iemanjá; Yemowô, mulher de Oxalá; velha Assobá a fiar seu algodão; Iyá Ori, “mãe da cabeça do mundo”; Iyamassê, mãe de Xangô; Olossa, lagoa africana ou, na Bahia, a do Abaeté; Iemanjá Ogunté, esposa guerreira de Ogum Alagbedé; voluntariosa Assessu, mãe de Exu; jovem Assobá a fiar seu algodão; ou ainda, tal como Oxum Opará, a senhora de duas águas, onde o rio encontra o mar.
trecho do artigo de Maria Lucia Montes - www.brasileiros.com.br
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